quarta-feira, 6 de abril de 2011

Isaiah Berlin

O sentido de realidade

Pode-se dizer que toda pessoa e toda era tenham dois níveis: uma superfície pública, iluminada, facilmente observada e claramente descritível, a partir da qual semelhanças podem ser proveitosamente abstraídas e condensadas em leis; e, abaixo desta, um caminho levando a características cada vez menos óbvias, ainda que mais e mais íntimas e difusas, demasiado proximamente misturadas a sentimentos e atividades para deles serem facilmente distinguíveis. Com muita paciência, indústria e assiduidade, podemos cavar abaixo da superfície - e romancistas o fazem melhor do que "cientístas sociais" treinados -, mas a consistência é a de uma substância viscosa: não encontramos quaisquer camadas pedregosas ou obstáculos insuperáveis, mas cada etapa é mais difícil, cada esforço para avançar nos rouba o desejo ou a capacidade de continuar. Tolstoi, Shakespeare, Dostoiévski, Kafka, Nietzsche,  penetraram mais profundamente do que John Buchan ou H.G. Wells, ou Bertrand Russell; mas o que sabemos sobre este nível de hábitos semi-articulados, presunções e modos de pensar não examinados, de reações semi-instintivas, modelos de vida tão profundamente embutidos que absolutamente não se fazem sentir conscientemente - o que sabemos sobre isto é tão pouco, e provavelmente permanecerá tão negligenciável, pois não dispomos de tempo, de sutileza e de penetração, que afirmar nossa capacidade de construir generazilações onde, no melhor dos casos, tudo o que podemos é nos entregar à arte de pintar finos retratos; afirmar a possibilidade de alguma chave científica infalível onde cada entidade única exige uma vida de observação minuciosa e dedicada, de simpatia e insight, é umas das afirmações mais grotescas jamais feita pelos seres humanos.

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