quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Charles Baudelaire

O Pintor da vida moderna

Mas é chegada a noite. É a hora estranha e incerta em que as cortinas se fecham, em que as cidades se iluminam. O lampião de gás mancha a púrpura do sol poente. Honestos ou desonestos, sensatos ou insanos, os homens dizem para si mesmos: “Enfim o dia acabou!”. Os homens de conhecimento e os de má vida pensam no prazer e correm todos ao lugar de sua preferência para beber a taça do olvido. O Sr. G. será o último a ir-se embora de onde quer que possa resplandecer a luz, ecoar a poesia, fervilhar a vida, vibrar a música; de onde quer que uma paixão possa posar para o seu olhar, de onde quer que o homem natural e o de convenção se mostrem numa beleza estranha, de onde quer que o sol ilumine as alegrias passageiras do animal depravado! [...] Agora, no momento em que os outros dormem, esse homem está curvado sobre a mesa, lançando sobre uma folha de papel o mesmo olhar que há pouco fixava sobre as coisas, esgrimindo com seu lápis, sua caneta, seu pincel, respingando no teto a água do copo, limpando a pena na camisa, apressado, violento, ativo, como se temesse que as imagens lhe escapassem, brigando sozinho, esbarrando em si mesmo. E as coisas renascem sobre o papel, naturais, e mais que naturais; belas, e mais que belas; singulares e dotadas, como a alma do autor, de uma vida em estado de exaltação. A fantasmagoria, ele a extraiu da natureza. Todos os materiais que abarrotavam a memória agora se ordenam, se arranjam, se harmonizam e sofrem essa idealização forçada que é o resultado de uma percepção infantil, isto é, de uma percepção aguda, mágica, graças à ingenuidade!

sábado, 9 de julho de 2011

Walt Whitman

Diante de fatos apropriadamente contados, como parecem mesquinhos todos os romances.

Fernando Pessoa

Livro do Desassossego

A literatura, que é a arte casada com o pensamento e a realização sem mácula da realidade, parece-me ser o fim para que deveria tender todo o esforço humano, se fosse verdadeiramente humano, e não um superfluidade do animal. Creio que dizer uma coisa é conservar-lhe a virtude e tirar-lhe o terror. Os campos são mais verdes no dizer-se do que no seu verdor. As flores, se forem descritas com frases que as definam no ar da imaginação, terão cores de uma permanência que a vida celular não permite.

Mover-se é viver, dizer-se é sobreviver. Não há nada de real na vida que não seja porque se descreveu bem. Os críticos da casa pequena soem apontar que tal poema, longamente ritmado, não quer, afinal, dizer senão que o dia está bom. Mas dizer que o dia está bom é difícil, e o dia bom, ele mesmo, passa. Temos pois que conservar o dia bom em uma memória florida e prolixa, e assim constelar de novas flores ou de novos astors os campos ou os céus da exterioridade vazia e passageira.

Tudo é o que somos, e tudo será, para os que nos seguirem na diversidade do tempo, conforme nós intensamente o houvermos imaginado, isto é, o houvermos, com a imaginação metida no corpo, verdadeiramente sido. Não creio que a história seja mais, em seu grande panorama desbotado, que um decurso de interpretações, um consenso confuso de testemunhos distraídos. O romancista é todos nós, e narramos quando vemos, porque ver é complexo como tudo.

Tenho neste momento tantos pensamentos fundamentais, tantas coisas verdadeiramente metafísicas que dizer, que me canso de repente, e decido não escrever mais, não pensar mais, mas deixar que a febre de dizer me dê sono, e eu faça festas com os olhos fechados, como um gato, a tudo quanto poderia ter dito.

Viktor Chkloviski

Uma teoria da Prosa

Se estudarmos com relativa atenção as leis da percepção, não tardaremos a perceber que os atos habituais tendem a se tornar automáticos. Todos os nossos hábitos provêm da esfera do inconsciente e do automatismo. Para se dar conta disso, basta lembrar a sensação experimentada ao segurar uma caneta pela primeira vez, ou quando se começa a falar uma língua estrangeira, e compará-la à que acompanha o mesmo ato na sua milésima repetição. As leis da linguagem cotidiana, com suas frases incompletas e suas palavras pronunciadas apenas pela metade, se explicam precisamente a partir do automatismo de certos processos. [...] a vida passa, se anula. A automatização engole tudo: as coisas, roupas, móveis, a mulher e o medo da guerra.
Para ressuscitar nossa percepção da vida, para tornar sensíveis as coisas, para fazer da pedra uma pedra, existe o que chamamos de arte. O propósito da arte é nos dar uma sensação da coisa, uma sensação que deve ser a visão e não apenas o reconhecimento. Para obter tal resultado, a arte deve ser visão e não apenas reconhecimento. Para obter tal resultado, a arte se serve de dois procedimentos: o estranhamento das coisas e a complicação da forma, com a qual tende a tornar mais difícil a percepção e prolongar sua duração. Na arte, o processo de percepção é de fato m fim em si mesmo e deve ser prolongado. A arte é um meio de experimentar o devir de uma coisa; para ela, o que foi não tem a menor importância.

Peter Gay

Represálias Selvagens

Que tipo de história, então, os romancistas fazem melhor? Seu caminho mais promissor para a verdade reside em sua capacidade de se moverem entre o que chamei de macro e micro, sociedade e indivíduo. Considere-se mais uma vez Thomas Buddenbrook, o personagem a quem Thomas Mann, desafiadoramente, chamou de herói. Ele não só é uma pessoa característica e sofredora, como também um tipo social, um burguês inquieto da velha cepa que hesitantemente abraça o destino de um burguês moderno. Sua vida, como Mann a descreve, é unicamente sua, com seu casamento infeliz, o filho distante e alheio, o tédio com os deveres públicos, a descoberta de Schopenhauer, até as dores de dente. Mas, ao mesmo tempo, ele representa muitas vidas da classe média, e não apenas em Lubeck. Em outras palavras, os personagens mais característicos, mais individualizados do romancista podem representar simultaneamente realidades mais inclusivas.

sábado, 4 de junho de 2011

Walt Whitman


A arte das artes, a glória da expressão e os raios solares da luz das letras está na simplicidade. Nada é melhor do que a simplicidade . . . . nada pode compensar o excesso ou a indefinição. Levar a diante a onda de impulso e chegar às profundezas intelectuais e dar a todos os temas suas articulações não são poderes nem comuns nem muito incomuns. Mas falar em literatura com a perfeita integridade e despreocupação encontradas nos movimentos dos animais e com o irrepreensível sentimento das árvores na floresta e do capim à beira da estrada é a vitória infalível da arte. 

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Jorge Luis Borges


[...]Nas páginas d'O Fazedor' não há nenhum recheio. Cada texto foi escrito por si mesmo, em resposta a uma necessidade interna. Ao prepará-lo, já havia compreendido que escrever de modo grandiloquente não só é um erro, como um erro que nasce da vaidade. Para escrever bem - acredito com firmeza -, é preciso ser discreto.